O perfil do Obreiro de Deus para os tempos de hoje



Autor: Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
Discurso apresentado aos formandos da Faculdade Teológica Nazarena, Campinas, 04/12/2004
Agora em novembro fui a Araputanga, Mato Grosso, falar na Associação Batista do Oeste do Mato Grosso. Encontrei um pastor que fora aluno do Seminário Batista do Sul, no Rio de Janeiro, e se lembrava das conferências teológicas que fiz naquela instituição, em 1994. Eu não me lembrava do tema, mas ele sim. Disse que falei sobre o perfil do obreiro de Deus do século 21.
Lembrava-se que comecei com uma pergunta cuja resposta dei a seguir. A pergunta foi: "Como deve ser o perfil do obreiro do século 21?". E respondi: "Como o perfil do obreiro do século 20, do século 18, do século 12, do segundo século". Não me lembrava das palestras, mas me lembrava, porque ainda os sustento, dos conceitos que emiti.
Colocamos muita mística nas épocas. Valorizamos os tempos, vendo-os como referenciais para o obreiro. Os tempos diferem em forma e expressão, mas mantêm-se no seu conteúdo. Por isso, o referencial para o perfil do obreiro de Deus não deve ser buscado nos sinais do mundo. Os tempos são voláteis na aparência, na tecnologia, na forma de expressar seus conceitos. Mas são os mesmos na essência. "O mundo todo está debaixo do poder do Maligno", diz 1João 5.19. Esta afirmação dizia respeito ao século de João. Dizia respeito ao século de Lutero, ao de Wesley e ao nosso. Se houver século 22, dirá respeito a ele. O mundo, em todas as suas épocas, é exatamente o que a Bíblia diz que ele é. Pecador, rebelde, afastado de Deus, cegado pelo Maligno, indiferente a Deus.
Assim sendo, o perfil do obreiro de Deus necessário para os tempos de hoje deve ser buscado nas Escrituras. Os tempos passam, mas ela permanece atual. Quando fui para o seminário, meu grande sonho era ter uma máquina de escrever, para poder produzir meus trabalhos. Quem deseja uma máquina de escrever hoje? Ficou defasada. A tecnologia mudou o tempo e as aspirações pessoais. Mas em meu tempo de seminário a Bíblia era atual e válida e hoje permanece atual e válida. As épocas têm ênfases diferentes, mas o substrato é o mesmo: um mundo sem Deus.
Igrejas fracas há muitas hoje. Mas quem leia o Apocalipse e veja a descrição de Laodicéia, verá que sempre houve igrejas fracas. A altamente carismática e altamente problemática igreja de Corinto parece ter muitas irmãs gêmeas em nosso tempo. Assim como não há nada novo debaixo do sol, não há nada novo no cenário religioso. Nossa civilização mantém a mesma linha da civilização de Babel: "façamo-nos um nome". O orgulho que impele a querer viver sem Deus.
Ditas estas coisas, sinalizando por onde andarei, apresento três traços que julgo os mais necessários no obreiro de Deus para o nosso tempo.
Primeiro, um obreiro profundamente cristocêntrico. Esta é, para mim, a questão fundamental. Parece irônico ou surrealista, mas o grande problema dos cristãos contemporâneos é o que fazer com Cristo. Quando a Igreja Católica emite seus conceitos, fá-lo baseada na sua autoridade, nos seus teólogos, na sua estrutura de pensamento. É difícil ver uma referência a Jesus nas suas declarações. Da mesma forma sucede com os evangélicos. Quão pouco se prega sobre Cristo! Sua figura está esmaecida no cristianismo atual. Constantemente me refiro a este ponto: o choque que tive ao entrar em uma livraria evangélica, procurando um livro sobre cristologia, e não encontrar um, um sequer. Mas encontrei quarenta e dois sobre Satanás, maldições, sobre guerra contra o inimigo, batalha espiritual, arrancar a cidade das garras do Diabo, etc. A igreja evangélica contemporânea fez de Satanás o grande astro do momento e a sua principal preocupação. Temos uma incongruência: demônios fortes e um Cristo fraco. Um Cristo que é incapaz de libertar a pessoa, que é salva por ele, mas fica presa de maldição de nomes, de palavras, de vudus, e que precisa da reza forte de um caboclo evangélico.
E o Cristo do Novo Testamento, poderoso, que acalmava tempestades, curava cegos, paralíticos, sobrepunha-se a demônios, o que foi feito dele? Onde está Cristo? Quantas mensagens, nos últimos tempos, você ouviu que se centrasse na pessoa, no caráter e na obra de Jesus? Quantas você pregou, exclusivamente sobre a pessoa do bendito Salvador?
O que dizer de nossos cânticos? "Louvar, adorar, entronizar, tocar vestes, contemplar, voar nas asas do Espírito, mergulhar nos rios, beber dos teus rios, trono" são as expressões e ênfases mais comuns. Alguns deles podem ser cantados numa sinagoga, de tão genéricos que são. Aliás, alguns nada dizem, sobressaem apenas porque têm ritmo agitado e permitem às pessoas liberarem suas emoções. Mas nada falam de Jesus. E a sua cruz? E a sua morte vicária? Onde estão? Cristo foi trocado por Gideão, por Abraão, e por qualquer outro vulto do Antigo Testamento que venceu alguma batalha, ilustrando assim como podemos vencer as batalhas contra nosso inimigo, o problema financeiro. Um pastor neopentecostal, tempos atrás, disse que "o maior inimigo do homem são os problemas financeiros e sua maior vitória é a libertação desses problemas". E Satanás? E o poder do pecado? E a libertação do pecado? E o céu, que Jesus foi preparar para nós, e onde esperamos morar com ele, um dia?
"Estou crucificado com Cristo", disse Paulo. O apóstolo tinha uma paixão, Jesus Cristo. Dispôs-se a perder tudo por amor de Cristo. Vemos hoje obreiros que amam sua carreira, sua denominação, o prédio de sua igreja, mas não evidenciam paixão por Jesus Cristo. Falando sobre Paulo, Stott disse que ele foi um homem intoxicado de Cristo. O perfil do obreiro necessário para nossas igrejas começa por aqui: homens e mulheres apaixonados por Jesus, o maior vulto de todos os tempos, o homem que dividiu a história em antes dele e depois dele, que dividiu a nossa vida em antes e depois dele, o único que faz diferença.
Você precisa ser um obreiro apaixonado por Jesus Cristo. Ele deve estar acima de tudo e em primeiro lugar em sua lista de prioridades. Minha esposa sabe de meu amor por ela. Sabe o quanto ela me é importante e o quanto dependo dela. Mas sabe que Jesus Cristo vem antes dela. E eu sei que Jesus Cristo vem antes de mim na vida dela.
O perfil do obreiro que nossas igrejas precisam começa aqui: paixão por Cristo, prioridade a Cristo, ênfase na pregação sobre Cristo. Quer uma igreja cheia? Pregue sobre as riquezas de Abraão! Quer uma igreja madura, que resista às crises, e que seja digna do nome de igreja? Pregue sobre Cristo, poder de Deus para todo aquele que crê.
Isto é fundamental também por outro motivo. Um dos nossos grandes problemas teológicos está na soteriologia, na doutrina da salvação. Para a teologia da libertação, salvação era libertação da opressão econômica. Para a teologia da prosperidade, salvação é libertação de problemas financeiros, de saúde e de relacionamentos humanos. Uma pregação cristocêntrica recuperará o conceito correto de salvação: salvação do poder do pecado, do poder do Diabo, salvação para a vida eterna, para morar no céu com Jesus. E se você acha que isto é discurso de pastor velho, e não valoriza isto, desculpe-me: não é digno de ser um obreiro de Cristo. Você poderá ter um grande fã clube, mas nunca terá um rebanho, porque só salvos pelo sangue de Cristo formam o rebanho de Deus. O rebanho que temos que pastorear é um rebanho constituído de pessoas que foram salvas do domínio do Maligno e do poder do pecado, pelo sangue de Jesus.
Segundo, um obreiro que seja profundamente bibliocêntrico. Um obreiro centrado nas Escrituras, e não em insights que ele julga serem uma revelação especial de Deus. Centrado na Bíblia mais que na tradição denominacional. Um obreiro que domine bem as Escrituras, que saiba usá-las. Mas isto não significa apenas recitar versículos e saber encaixá-los em determinadas mensagens. Significa um obreiro que se paute pela Bíblia, que leve a igreja a se pautar pela Bíblia, e que leve os crentes a se estruturarem sobre a Bíblia.
Cada dia aparece uma novidade no cenário evangélico. Tivemos dente de ouro, paletó ungido, gargalhada santa, cair no Espírito, etc. Duda Mendonça parece trabalhar para os evangélicos, criando sempre jogadas de marketing. O grande problema é que se pode ter comunidades animadas, mas sem raízes, sem a Palavra de Deus, viva e eficaz, que transforma, consola e admoesta. Comunidades que necessitem sempre de algo mais atraente, mais exótico. Drogas viciam e exigem drogas cada vez mais fortes. Mas arruínam a vida.
Pregue a Bíblia. Este foi o conselho de Paulo a Timóteo: "Prega a Palavra!". Alguém, um dia desses, reclamou comigo, dizendo que freqüentou minha igreja alguns domingos, mas não gostou. Decidiu que não iria ficar conosco. Falávamos muito da Bíblia, e ela queria ouvir testemunhos. Foi tão condescendente, que vi que precisava lhe responder com firmeza espiritual. Disse-lhe que ela não nos interessava como membro da igreja. Que realmente fosse procurar outra igreja, porque não a queríamos. Queremos pessoas comprometidas com Jesus e que amem a Palavra de Deus. É assim que tenho procurado formatar a igreja que tenho a honra de servir.
Pregue a Bíblia. Acontecerá algo curioso: boa parte da membresia de sua igreja irá embora. Aconteceu assim e tem acontecido assim em minha igreja. Mas outros vieram e vêm. E os que vêm são gente com se pode contar em qualquer momento. Porque têm bases bíblicas.
Há uma diferença entre avivamento e enchimento de igreja. Temos confundido as coisas. Uma igreja pode ser enchida por vários motivos: o carisma do pregador, a boa qualidade da música, a estrutura de educação para os filhos, modismo, grife, manipulação, etc. São comunidades vivas, dinâmicas, até mesmo apresentando vitalidade espiritual, porque as pessoas que lá se congregam são crentes empolgados.
Avivamento produz vidas transformadas, santificadas e produz impacto na sociedade. Os grandes avivamentos da história da igreja mostram isso. Sempre que houve um, as estruturas sociais da comunidade foram abaladas. Temos hoje encontros, congressos, reuniões as mais diversas, mas nosso impacto na sociedade é escasso. A marca registrada de todos os avivamentos foi a ênfase na Bíblia. Inclusive o maior de todos os avivamentos, a Reforma Protestante, foi a redescoberta da Bíblia. Não é de estranhar. Jesus mesmo disse: "Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade" (Jo 17.17). É a Palavra que santifica. A Bíblia é um livro fascinante. Onde ela é pregada, a situação muda. Vidas se convertem, vidas se santificam, moribundos espirituais são revigorados.
O obreiro ideal interpreta o mundo pela Bíblia. Estou cansado e indignado com leituras da Bíblia por Marx, por Freud, por Piaget, por Darwin, por Comte, por livros humanos e pelas experiências de gurus evangélicos. Interpretar o mundo à luz da Bíblia é indispensável para o obreiro de nosso tempo, necessário para nossas igrejas. Precisamos de obreiros que tenham uma cosmovisão bíblica, ou seja, que saibam interpretar o mundo à luz das Escrituras. Além de pregar a Palavra, o obreiro de perfil ideal para nosso tempo precisa saber ler o mundo e os tempos pela Bíblia. E não ler a Bíblia pelo nosso tempo.
Em terceiro, um obreiro que ame a igreja. Estou cansado de apedrejadores da igreja. São tão sem imaginação! São tão pobres! Cheguei ao seminário com 19 anos e os ouvi. Tenho 33 anos de ministério e ouço a mesma cantilena. Não inovam. Alguns se intitulam de "esquerda". Deve ser ato falho. A mesmice é sua marca registrada.
A Igreja é de natureza divina, nascida no coração do Pai, na eternidade. "Ele nos escolheu antes da fundação do mundo", disse Paulo. A igreja local é a expressão visível da Igreja invisível. A única maneira de viver com ela é através do amor. O obreiro precisa amar a sua igreja. Com sinceridade. Ela não é apenas seu ganha-pão. Deve amá-la. Sei que há problemas no ministério. Uma vez uma pessoa reclamou comigo, dizendo que seus pastores, inclusive eu, nunca foram pastores com ela. Precisei lhe dizer: "Mas você nunca foi ovelha. Você é bode". Alguns membros de igreja parecem trazer na testa a inscrição: "Perigo! Não se aproxime!". Fazem questão de machucar e de serem problemáticos. Alguns são grosseiros. Há igrejas especializadas em maltratar obreiros e há gente que faz questão de ser difícil. Há as eternas crianças que gostam de mamadeira a tempo e à hora. E acham que pastor que é pastor é aquele que se sujeita aos seus caprichos de crentes imaturos. É fazer como a Bíblia diz: repreender uma, duas vezes, e usar o tempo com ovelhas. Os bodes já estão julgados: são vidas frustradas. Mas com todas as dificuldades, incluindo os bodes, a igreja local é uma instituição fantástica. Ame a igreja que você servir.
A proliferação de instituições pára-denominacionais pode evidenciar a dificuldade da Igreja alcançar todas as áreas da vida secular. Surgem como braços das igrejas locais. Graças a Deus por uma ABU, pelos Atletas de Cristo, pela Missão Vida, que trabalha com mendigos, por um Caminho pra Liberdade, que trabalha com recuperação de meninos de rua. Vão aonde as igrejas locais não podem ir. Não competem com ela, mas ajudam-na.
Mas muitos movimentos surgem porque algumas pessoas têm dificuldades de trabalhar com a igreja local, em relação de amor e sujeição, e buscam alternativas para o seu temperamento. Não é o amor a um segmento do mundo que a Igreja não alcança. É escape. Milito na educação teológica há 32 anos. Graças a Deus por homens e mulheres de Deus que gastam suas vidas formando obreiros para a seara. Mas alguns parecem pessoas que perderam, se não a fé, pelo menos o rumo. Não sabem para onde ir, não têm coragem de ir para o mundo secular, e se entrincheiram em instituições de ensino para destruir a igreja. A ironia, o deboche, o não engajamento em uma igreja local, tudo isso é incompatível com o que se espera de um educador teológico. Quem não ama a igreja local e não está engajado nela não pode ser um educador teológico. Mas não é deles que vim falar. Vim falar do obreiro de Deus em geral. Citei o educador en pasant, mas não sem propósito.
Com muita convicção, afirmo e sustento: em qualquer área do reino, se o obreiro perdeu o amor pela igreja local, perdeu a autoridade espiritual para o trabalho. A expressão "não sirvo aos homens, mas sirvo a Deus" pode ser uma desculpa tosca para ocultar desprezo pelos irmãos e dificuldades em saber trabalhar em equipe. Sem amor pelos irmãos, como nos diz João, o amor por Deus é falso. Um obreiro precisa amar a Igreja de Cristo em geral e a igreja de Cristo em particular. "Todos os vossos atos sejam feitos em amor", disse Paulo. Principalmente o ato de servir. Aliás, somos chamados para servir e não para senhorear o reino. E um serviço que se qualifica pelo amor. Pode se servir por status, por carência afetiva (o líder sempre é estimado, a não ser que seja um desastre total), por dinheiro, por qualquer motivo, mas o único motivo válido é o amor ao que se faz e a quem se serve. Servimos a Deus, sim, mas servimos o seu povo.
Um obreiro cristocêntrico, bibliocêntrico e eclesiocêntrico pode causar alguma confusão. Três centros? Como pode ser? Quem é cristocêntrico será bibliocêntrico, pois Cristo é o clímax da revelação, como diz Hebreus. Quem for bibliocêntrico será cristocêntrico, pois como disse Jesus, as Escrituras testificam dele. E quem tem a Bíblia e tem Cristo tem a igreja. Quem tem e quem é igreja tem a Bíblia e Cristo. Ame a Cristo de coração. Ame sua Bíblia. Ame a igreja. Aí você será um obreiro que terá o perfil necessário para o mundo de hoje.